Só no estado de São Paulo, motos convencionais responderam por 21% da emissão de monóxido de carbono no trânsito em 2020. Marcas de elétricas conquistam clientes com aceno à economia e à sustentabilidade.
A venda e o emplacamento de motos elétricas cresceu consideravelmente em todo o país nos últimos meses.
Segundo dados da Federação Nacional Distribuição Veículos Automotores (Fenabrave), até maio deste ano foram emplacadas 3.062 motos do tipo no Brasil (incluindo triciclos e scooters), um crescimento de cerca de nove vezes ou superior a 878% quando comparado com o mesmo período do ano passado (313 unidades).
Os números refletem uma tendência do consumidor na busca de uma alternativa em meio ao aumento dos preços dos combustíveis. Mas os modelos também se apoiam no apelo ecológico diante de um cenário em que as motos convencionais, com motores à combustão, respondem por 21% das emissões no trânsito em São Paulo.
Ênio Santos, personal trainer, explica que um dos motivos para optar por um veículo elétrico foi a sustentabilidade.
“Vendi meu carro e fiquei dois anos andando de patinete. Como eu precisava percorrer distâncias mais longas, preferi investir em uma moto elétrica. Eu comprei também pela sustentabilidade, ser um carro a menos na rua, menos poluição. Tudo isso fez com que eu optasse por um veículo elétrico”, conta Ênio Santos.
O personal trainer usa a moto para deslocamentos na cidade. Morador de Curitiba, ele diz que o veículo supre as necessidades do dia a dia. Ênio carrega a bateria do veículo todos os dias, à noite, na garagem de casa.
“A bateria dura de 40 km a 50 km. Eu uso o dia todo e carrego quando estou em casa ou quando tenho uma brecha à tarde. Para a minha realidade é ideal. Faço, em média, de 30 a 40 km por dia. Também economizo no tempo, já que não preciso abastecer”, diz.
Mas do ponto de vista ecológico, o quão menos poluente é essa frota? Quais são os impactos diretos e indiretos das motos elétricas? Entenda abaixo.
Impactos ambientais
Flávia Consoni, professora do Departamento de Política Científica e Tecnológica do Instituto de Geociências da Unicamp, defende que, ainda que as motos elétricas representem um pequeno percentual do total de motos emplacadas no país (0,59%, segundo dados da FENABRAVE), esses novos índices indicam que os consumidores estão dispostos a mudar de atitude não só por causa do fator bolso.
“É um hábito. Muda-se o hábito. Agora, você não para mais no posto, você tem que conectar numa tomada e por ser um levíssimo [veículos como scooters, motos, patinetes] é muito mais fácil também”.
Ela diz que, culturalmente, essa diferença é enorme, mas se a conta fecha mais rápido para o consumidor, ele vai adotar esse modelo. O que explica por que os carros elétricos ainda não são populares no Brasil.
“Além disso, aquelas empresas que dependem muito de motos, como empresas de entrega, estão vendo o apelo mercadológico por essas práticas ESG [sigla em inglês para empresas que valorizam práticas socio-sustentáveis] e resultados que são contabilizados na prática”, acrescenta.
De forma geral, esses veículos elétricos contribuem bem menos para a emissão de gases estufa em relação aos tradicionais, mas também geram dilemas ambientais.
Daniel Guth, pesquisador em políticas de mobilidade urbana e diretor executivo da Associação Brasileira do Setor de Bicicletas (Aliança Bike) ressalta que os ganhos são muito consideráveis quando comparamos motos convencionais (à combustão) e veículos elétricos, mas os materiais necessários para fabricar as baterias dessas unidades (geralmente o lítio), fazem com que as motos elétricas não tenham um rastro zero de poluição.
“As motos à combustão não representam a maioria dos nossos deslocamentos, mas a contribuição delas é muito alta para emissões na queima do combustível. Então essa substituição apenas da matriz energética já é muito importante do ponto de vista ambiental. O lítio não se compara nem perto com o que vem da indústria do petróleo”, diz o especialista.
Somente no estado de São Paulo, em 2020, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado (CETESB), as motocicletas convencionais foram responsáveis por cerca de 21% da emissão de monóxido de carbono, um dos principais poluentes atmosféricos emitidos por veículos, ficando atrás apenas dos automóveis (com 60% da fatia).
Em um relatório publicado no mês passado, a Agência Internacional de Energia (IEA) apontou que, para que o uso dos elétricos continue crescendo, será necessário diversificar a fabricação das baterias e os minerais usados, para reduzir os riscos de gargalos e aumentos de preços.
O cobalto também é um desses materiais. Além dos impactos ambientais tradicionais da mineração, a retirada dele e de outros metais da natureza também expõe o ecossistema e comunidades próximas a poluentes do ar, rios e terra. O estoque terrestre desse metal também é limitado: a IEA prevê uma falta já em 2030.
Já os preços do lítio – crucial para as baterias – ficaram sete vezes mais altos em maio deste ano em comparação ao início de 2021.
Duração das bateriais e reaproveitamento
Guth destaca que, em motos elétricas, essas baterias de lítio duram geralmente 5 anos, mas depois disso os produtos ainda podem ser aproveitados para outras funções.
“Quando a gente fala de 5 anos, não é o [período de vida] daquela célula, mas sim daquela utilização na moto. A célula vai se estender por 10, 15 e até 20 anos, mas, obviamente vai ter que ser reciclada”, pontua.
Ele explica que indústria pode aproveitar o lítio dessas baterias para transformá-lo nos mais variados produtos como lâmpadas de iluminação solar, baterias industriais, nobreak (equipamento que protege dispositivos eletroeletrônicos), mas que isso tudo precisa passar pela estruturação de uma política de logística reversa eficiente que envolva não só as empresas como o consumidor.
Segundo estimativas da própria Aliança Bike, cerca de 80% das células de lítio podem ser reaproveitadas, nessa chamada “second life”.
No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, implementada em 2010, trata inclusive o descarte das baterias de forma específica, obrigando não só as empresas fabricantes, como as importadoras, distribuidoras e comerciantes a estruturar e implantar sistemas de logística reversa.
“Essa logística reversa, para a mobilidade elétrica, é um sistema muito completo. Você tem pouca perda. Você reaproveita muito e o que você não reaproveita, você recicla. E na cadeia do petróleo isso não existe”, afirma.
Ou seja, se agora estamos observando um pico nas vendas de motos elétricas, essas baterias comercializadas entre 2019 e 2020, começarão a ter sua funcionalidade afetada dentro de alguns anos, o que, destaca Guth, reforça que o processo de descarte ou substituição dessas peças precisa ser discutido.
“Já que uma motocicleta elétrica demanda até mais do motor e da bateria do que uma bike elétrica, isso significa que as células, para uso em uma moto, são substituídas com frequência um pouco maior do que numa bike elétrica, permitindo até maior reaproveitamento das células para essa second life”, acrescenta o pesquisador.
Uso de carvão também é um problema
Uma outra questão é a relação entre a geração de energia elétrica para abastecer os carros e o uso de carvão – que gera emissões estufa.
“O carvão tende a ser o fator crítico”, afirmou Jeremy Michalek, professor de engenharia da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, ao jornal “The New York Times” em uma reportagem sobre o assunto.
“Se você tem carros elétricos em Pittsburgh que estão sendo carregados à noite e levando usinas de carvão próximas a queimar mais carvão para carregá-los, então os benefícios climáticos não serão tão grandes, e você pode até ter mais poluição do ar“, pontuou.
Por outro lado, se essas redes elétricas deixam de ser dependentes do carvão – passando a ser abastecidas com energia solar ou eólica –, o impacto ambiental dos veículos elétricos também cai.
“A razão pela qual os veículos elétricos parecem uma solução climática atraente é que, se pudermos transformar nossas redes em carbono zero, as emissões dos veículos cairão muito”, explicou Jessika Trancik, professora associada de estudos de energia do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ao jornal americano.