Crise econômica, agravamento dos problemas sociais e despolitização das comunidades de Salvador

contraste salvador

EUDER NASCIMENTO *

“O que me preocupa não é o grito dos maus.

É o silêncio dos bons”. (Martin Luther King, 1963).

Nas últimas décadas Salvador tem vivido um agravamento dos problemas sociais, que, diga-se de passagem, são históricos, complexos  e de difícil solução a curto prazo.

A rotina da informação e do fomento à cultura sofreu um relevante colapso para o cidadão soteropolitano, e, não seria exagero algum falar em regresso. Os noticiários tradicionais dedicaram os horários de maior audiência para seduzir a população ao consumo viciante, fiel e sanguinário da violência.

Se tornou traumático para várias pessoas ligar a televisão durante o horário de almoço, pois não raro o telespectador é obrigado a visitar o íntimo de corpos mutilados, decapitados ou acidentados por conta de alguma fatalidade.

A prevenção ao suicídio, através da vedação da divulgação de fatos relacionados ao autoflagelo pela imprensa, perderam qualquer sentido diante da quantidade de fatos excessivamente violentos veiculados e do sensacionalismo que lhes é impregnado, repercutindo incomensuravelmente na saúde psicológica das pessoas, que se tornam depressivas, amarguradas e não raro adquirem em seu prórpio lar a degenerativa síndrome do pânico.   

A crise econômica também não é uma novidade na rotina mundial, pois o capitalismo sempre  foi objeto de sucessivas crises, haja a vista a insanidade pela acumulação de capital e o consequente desinvestimento em áreas substanciais como a segurança pública, a saúde, a educação, a proteção a infância e a maternidade, e a previdência.

Os impactos no âmbito municipal, são tão perceptíveis como na esfera dos estados e da federação. Os governos estão sempre inclinados para o discurso dos cortes, redução dos gastos, arrocho salarial e incapacidade de provimento do mínimo existencial.

A pandemia do covid-19 escarnece a maior parte desses problemas, senão todos. Não que eles não existissem, mas se tornaram imperceptíveis na corrida diária pelo “pão nosso de cada dia”, onde não há espaço para reflexão, pois até uns meses atrás ninguém se imaginava isolado ou persuadido a parar de trabalhar, já que o mundo “precisava” imprescindivelmente produzir e em um ritmo cada vez mais alucinante, os horários precisavam ser rigorosamente cumpridos e o tempo que sobrava era ocupado pela midiatização da violência ou pelas telenovelas ofertadas pela imprensa, “soberana e acima de qualquer de crítica advinda da espécie humana”.

O processo de aculturação foi reforçado pela supremacia do tráfico de drogas nas comunidades mais carentes. Os bairros passaram a recepcionar rotineiramente homens armados, não mais de forma oculta ou com a discrição idiossincrática de um “matador de aluguel”, como outrora, mas organizados em bandos ou facções, exibindo armas de fogo de diversos calibres e dimensões, impondo o terror psicológico, ocupando imóveis, cobrando pedágios e “taxas mensais”, atuando paralelamente ao Estado – aquele mesmo, inclinado incondicionalmente ao discurso dos cortes e da impossibilidade de prover o mínimo existencial.

As lideranças comunitárias tiveram a sua liberdade de pensamento, atuação e principalmente de ir e vir cerceadas. As ações comunitárias passaram a pender de uma ocupação prévia da localidade pelas polícias, ou, caso contrário, deveria conseguir uma “autorização” da facção responsável por determinada área geográfica.

As representações comunitárias que sobreviveram tiveram que se adequar as ordens do tráfico local, que em troca da subserviência política passaram a autorizar o acesso da figura do político ou do candidato àquela condição, permitir a realização dos comícios e até mesmo ajudar na organização da “política de pão e circo” (se responsabilizando pela logística e “segurança” dos paredões de som e festas de largo).  

Não raro, estas representações comunitárias em estágio de sobrevida, são obrigadas a reunir pessoas e provocar manifestações contra a polícia quando da ocorrência de alguma operação policial com consequências negativas para o crime, enfraquecendo o braço repressivo do Estado e ganhando oxigênio para a manutenção do lucrativo negócio alijado de impostos, obrigações trabalhistas ou previdenciárias.

A falta de legitimidade e autonomia das manifestações comunitárias tiveram um efeito sinistro a longo prazo, posto que o Estado passou a descredibilizar grande parte das denúncias de erros policiais ou de abuso de autoridade nestas comunidades, ignorando a verdade real dos fatos, impactando na reincidência e aumento da violência policial em meio a pobreza despolitizada, oprimida pelo tráfico e sem voz autônoma.      

A esperança por dias melhores não pode ser soterrada, apesar do cenário de barbárie, descaso e negativa de reflexão por parte do Estado sobre novos modelos de administração.  A insistência em não desconstruir para reconstruir, atinge desde o espaço comunitário pensado outrora (praças, logradouros, vielas), como também o modelo econômico (historicamente repressivo) e o modelo de efetividade dos direitos sociais (meramente contemplado no plano discursivo e no mundo normativo, sem contudo, ter efetividade no plano material).

Autor: *Aluno do PPGPSC/UCSAL. Capitão da Polícia Militar do Estado Bahia. Mestrando em Políticas Sociais e Cidadania pela UCSAL; Pós-Graduado em Políticas e Gestão de Segurança Pública, convênio UFBA/Estácio/SENASP; Pós-Graduado em Direito Penal e Processual Penal pela UNYLEYA-DF; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior pela UNYLEYA-DF. E-mail: [email protected].

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