“A reforma do ensino médio é uma enganação a sociedade brasileira, aos filhos da classe trabalhadora”, diz especialista em educação.
Com uma proposta supostamente mais alinhada ao mercado, os estudantes do ensino médio, no Brasil, agora se adaptarão a um novo modelo de aprendizagem, onde poderão escolher parte das disciplinas que cursarão, direcionando, assim, para uma área que eles tenham mais afinidade e interesse em trabalhar futuramente. Chamado de Novo Ensino Médio, a modalidade tem dividido opiniões, sendo alvo de críticas e também de elogios.
Criado a partir da Lei nº 13.415/2017, o Novo Ensino Médio propõe uma reforma na matriz curricular que passou a ser obrigatória neste ano, mas que já vem sendo testada desde o ano 2021 pela Secretaria Estadual de Educação da Bahia (SEC), em 50% das unidades de ensino do Estado. Neste ano a meta é que 100% das escolas adotem a modalidade nas turmas de 1ª série e de forma gradual, as demais séries, até 2024.
De acordo com o Governo Federal, à época com o presidente Michel Temer (MDB), a medida surgiu por causa da estagnação dos índices de desempenho dos estudantes brasileiros e as altas taxas de evasão e reprovação escolar. A mestre e doutora em educação, Marize Carvalho, discorda e acredita que a nova arquitetura curricular é um “desmonte do ensino médio”: “Nós sabemos que o ensino médio tem problemas. Merecia uma reforma? Merecia. Mas não é reformando o currículo, tirando o direito ao conhecimento, que nós vamos resolver o problema da escola”.
Formação
A crítica de Marize está diretamente relacionada ao ensino público, pois, segundo ela, hoje a escola já sofre com os cortes orçamentários na educação e sem professores para as diferentes áreas. “Se o aluno opta por um itinerário formativo de ciências da natureza, por exemplo, ele tem que fazer a opção no ensino superior pela mesma área. Isso numa idade em que o aluno ainda está numa fase de escolhas, em uma fase de desenvolvimento e as escolas não estão preparadas com corpo pedagógico e formação”.
Essa falta de capacitação foi sentida por Vilker Barbosa, 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio, no Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães, no município de Irecê. “Dava pra ver que os professores não tiveram nenhum tipo de preparo. Ela [professora] não sabia o que fazer na aula e chegou a contar isso pra gente.
Que estava buscando informações para desempenhar as funções”, relatou o aluno, ao se referir a uma nova disciplina que foi implantada no ano passado, já que a unidade que ele estuda faz parte das 50% que estão implantando o Novo Ensino Médio desde o ano passado.
Ainda sobre a questão da formação do docente, Marize finaliza explicando que a modalidade não passa de uma “enganação”: “É preciso um amplo debate nos Conselhos. É preciso que a escola se reúna, e os pais entendam o que de fato está acontecendo. A formação foi entregue aos conglomerados econômicos.
Quem está fazendo a formação dos professores, gestores, dos pedagogos são as fundações: Leme, Banco Itaú, Unibanco… não é a universidade. Então a reforma do ensino médio é uma enganação a sociedade brasileira, aos filhos da classe trabalhadora”, afirmou a doutora.
Para a SEC, esse papel junto a comunidade já foi feito com uma consulta pública e também em diálogo com diferentes atores, que contribuiu para a confecção do Documento Curricular Referencial Bahia (DCRB) do Ensino Médio, que, segundo a Secretaria, contempla “a diversidade e particularidade da Bahia, evidenciando a identidade do povo baiano”.
Alunos divididos
Questionado se gostou ou não da nova modalidade, Vilker respondeu que não sabia dizer ao certo. “Não vi nenhum grande avanço. Pelo contrário. São quase 17 matérias, sendo que antes eram nove. Reduziram aulas de que eu julgo importante e, até agora, ao ensino médio não está funcionado como eles mostram na TV, que deveria preparar para ingressar no mercado do trabalho e tal, apenas de ter matérias novas importantes”, ponderou o estudante.
Apesar das críticas, tem aluno que está empolgado com o novo modelo e acredita que a possibilidade de estudar áreas que já têm afinidade será muito positiva, principalmente porque durante a pandemia a educação acabou ficando precarizada.
É o caso da aluna Giovana de Souza, de 16 anos, que está 3°ano, do colégio São Bento, em Salvador: “Na minha opinião deveria estudar todas as matérias na mesma intensidade e no segundo turno reforçar em matérias mais difíceis como português, redação, física, matemática e química”.
Para Vilker, a evasão pode ser um grande problema nesse novo modelo, já que muitos colegas dele precisam trabalhar para ajudar a família. “Eu acho que o da carga horária é positivo para que os jovens não fiquem nas ruas, mas isso devia ser feito do primeiro ao nono ano. Não agora que o adolescente precisa de um estágio, um primeiro emprego… ou é isso, ou tá na escola se prepara dando.