Ciro, Doria, Lula e Moro têm núcleos organizados com consultores dedicados especificamente a promover aproximação com eleitorado evangélico.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) se reuniu no Palácio do Planalto, na última semana, com cerca de 20 pastores evangélicos e outras lideranças cristãs. Na ocasião, indicou que os rumos do Brasil são dirigidos de acordo com os desejos dos pastores.
“Eu dirijo a nação para o lado que os senhores assim o desejarem. É fácil? Não é. Mas nós sabemos e temos força para buscar fazer o melhor para a nossa pátria”, declarou.
Líderes religiosos interpretaram o ato como uma demonstração de força política e de mobilização do segmento. Bolsonaro, no entanto, não é o único entre os pré-candidatos à Presidência da República em 2022 a buscar o público evangélico.
Questionadas, as equipes de pré-campanha de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Sergio Moro (Podemos), Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB) confirmaram que traçam estratégias específicas para esse segmento – a reportagem conversou com conselheiros de cada pré-candidato (leia mais abaixo).
Consulta, a campanha da pré-candidata Simone Tebet (MDB) não informou se há planos ou estratégias de campanha dirigidas a esse segmento do eleitorado.
Eleitorado decisivo
As estatísticas justificam a estratégia das pré-campanhas. Pesquisa Datafolha de janeiro de 2020 apontou que 31% dos brasileiros se identificavam como evangélicos – bem mais que os 22% identificados no censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE José Eustáquio Diniz Alves diz que, em 2018, o voto evangélico foi decisivo para a eleição de Jair Bolsonaro.
Segundo o doutor em demografia, no segundo turno, Bolsonaro recebeu 11,6 milhões de votos de eleitores evangélicos a mais que o candidato Fernando Haddad, do PT.
O número é maior que os 10,7 milhões de votos que, na soma geral, segundo os dados finais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), garantiram a vitória de Bolsonaro.
“Naquela eleição, houve uma divisão do eleitorado católico, que ficou quase 50% [Haddad] a 50% [Bolsonaro]. Com os votos do eleitorado evangélico, Bolsonaro conseguiu compensar derrotas nas outras religiões e vencer”, afirmou.
Alves avalia que, para 2022, o cenário é diferente. Mesmo com a tendência de crescimento da população evangélica, o demógrafo diz acreditar que, desta vez, o fiel da balança será o eleitorado católico.
“As últimas pesquisas indicam uma mudança. Lula se posiciona com bastante diferença positiva entre os católicos e se aproxima [de Bolsonaro] no eleitorado evangélico. O que indica que a maioria dos evangélicos que embarcou com Bolsonaro em 2018 não estará com ele neste ano”, explicou.
“Temos uma defasagem dos dados sem um novo censo, mas tudo indica que pode haver uma diáspora evangélica entre os candidatos, justificando uma busca por esses votos”, explicou.
Doutora em ciência política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Carolina de Paula afirma que, apesar de atuar unido em relação a algumas teses, o eleitorado evangélico não é um bloco, e sim um segmento com várias vertentes.
Para ela, em 2022, os rumos da economia serão mais importantes nas eleições que a pauta conservadora de costumes utilizada por Bolsonaro na campanha de 2018.
“As igrejas se prepararam politicamente há alguns anos para eleger representantes. É um eleitorado importante, especialmente para as eleições majoritárias, mas a tendência é que não haja uma semelhança com o cenário da eleição de 2018”, disse.
Segundo ela, os candidatos ao Planalto terão como desafio “entender” o eleitor evangélico.
“Não existe uma fórmula. Bolsonaro usou da defesa da família, da pauta de costumes e um pouco da agenda contra corrupção em 2018 e teve sucesso com esse público, mas não está certo que essa tática tem chance de funcionar novamente e ser replicada agora”, avaliou.
Veja, abaixo, o que dizem os conselheiros religiosos dos pré-candidatos ao Palácio do Planalto (em ordem alfabética, pelo nome do pré-candidato):
Ciro Gomes (PDT)
O pré-candidato Ciro Gomes, do PDT — Foto: Antonio Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo
“Nós defendemos um Estado laico em que a Bíblia e a Constituição não entram em conflito”, disse o pastor Alexandre Gonçalves, presidente nacional do Cristãos Trabalhistas – um movimento interno do PDT.
Gonçalves afirmou que o entendimento deve permear toda a campanha de Ciro, a quem Gonçalves tem ajudado no contato com a população evangélica. O pré-candidato tem se reunido, reservadamente, com pastores em todo o país.
Os encontros, afirma Gonçalves, são destinados a ouvir os pleitos e absorver as percepções sobre a trajetória de Ciro – muitas vezes, diz, formuladas com base em notícias falsas.
“A gente não divulga publicamente porque há um temor de que esses pastores sofram qualquer tipo de represália por estarem dialogando com o ‘outro lado'”, afirma.
Na tentativa de elevar a fatia de eleitores evangélicos, Gonçalves diz que o PDT deseja levar “formação” às igrejas das periferias, onde, de acordo com ele, o discurso bolsonarista venceu nos últimos anos.
“Não vamos focar em pastores ‘midiáticos’. Eles, tradicionalmente, vão atrás do poder. Nós queremos formar as pessoas, queremos quebrar esse preconceito delas com Ciro”, explica.
O partido propõe uma defesa da família que não se concentre na discussão entre o modelo tradicional e os formatos contemporâneos.
“Para que a família fique forte, que vá à igreja, é preciso fortalecer direitos básicos. É preciso que a gente diga que não dá para votar em candidato que defende diminuição de direitos trabalhistas, por exemplo”, diz.
A questão é abordada na cartilha “Fundamentos éticos do trabalhismo cristão”, que ainda será lançada oficialmente pelo partido. O conteúdo, na avaliação do pastor, é uma das apostas para difusão em grupos de aplicativos de mensagens e em rodas de conversa nas igrejas.
Um trunfo da campanha de Ciro será o apoio do pastor e ex-deputado federal Cabo Daciolo, que anunciou desistência da candidatura para apoiar o candidato do PDT. Para Alexandre Gonçalves, Daciolo “fala a voz do povo das periferias” e tem potencial para fazer Ciro ser ouvido pelo mesmo público.
João Doria (PSDB)
O governador de São Paulo, João Doria — Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil
Segundo o presidente do Núcleo de Base Inter-Religioso do PSDB de São Paulo, pastor Luciano Luna, João Doria (PSDB) ainda não definiu quais serão as estratégias para estreitar os laços com os evangélicos.
Luna afirmou que, em conversa no início do ano, Doria indicou que deve estruturar a campanha ao Planalto somente após deixar o mandato de governador de São Paulo. O prazo para que ele deixe o posto e possa disputar a Presidência vai até 2 de abril.
Em evento virtual em fevereiro, o governador disse que renunciaria em 31 de março e que começaria a campanha presidencial a partir de 2 de abril.
Para Luna, que atuou como uma espécie de conselheiro religioso de Doria nas campanhas vitoriosas à Prefeitura de São Paulo e ao governo do estado, o tucano já tem bom trânsito com o setor cristão, mas perdeu força no segmento com o avanço da pandemia no estado de São Paulo.
“Ele já se relaciona muito bem com as lideranças, maiores ou menores. Nosso trabalho vai ser garantir ainda mais espaço para ele”, declarou.
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em imagem do dia 17 de dezembro de 2021 — Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Apesar de o PT não ter anunciado oficialmente a pré-candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, ele tem traçado um caminho de diálogo com os evangélicos.
O desejo de aproximar o eleitor cristão cresceu com a saída de Lula da carceragem da Polícia Federal em Curitiba, em novembro de 2019.
Segundo a coordenadora do Núcleo Nacional de Evangélicos do PT (Nept), deputada Benedita da Silva (RJ), o ex-presidente relatou ter acompanhado, durante o período da prisão, programas religiosos veiculados na TV aberta. Daí, afirmou, surgiu a percepção da necessidade de se reconectar com esse público.
Localizados em 21 estados, os núcleos regionais do Nept formam politicamente evangélicos que “se identificam com PT ou com Lula”. Esses núcleos, segundo ela, buscam lembrar que o PT “ajudou as igrejas”.
“Mais adiante, esses núcleos trabalharão pró-eleição, abrindo e ampliando para apoio de outros evangélicos”, disse a deputada.
“Lula não prega o evangelho. Ele prega a política para todas as pessoas. Lula não tem que sair atrás dos evangélicos, tem que conversar. Evangélico não é gado. São pessoas com identidade”, declarou Benedita da Silva.
Em outra frente, atua o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que não é filiado ao PT. Segundo Benedita da Silva, as ações dele são “independentes” do partido.
Em julho passado, o pastor procurou Lula de maneira voluntária. Os dois conversaram por telefone e, ao fim do ano, se reuniram de forma presencial. A Lula, Paulo Marcelo entregou um projeto de “inclusão de evangélicos” no PT.
No documento, o pastor apresenta uma metodologia que poderá ajudar a mudar a imagem de que o PT é o “vilão do segmento”. O texto defende, por exemplo, o “respeito à diversidade, porém sem indução à mudança de costumes”. Segundo ele, Lula gostou do projeto.
O pastor pretende reunir um “exército” de pastores independentes dispostos a apoiar Lula. Para isso, tem feito o cadastro de lideranças dispostas a apoiar publicamente o ex-presidente. Na Bahia, relata, cerca de 800 lideranças religiosas foram cadastradas.
Paulo Marcelo também estará em um podcast criado pelo PT para “conversar” com evangélicos. O pastor ainda planeja sair em caravanas pelo país para promover a imagem de Lula (mesmo sem a companhia do petista), conversar com lideranças de igrejas e “mostrar que a igreja precisa de uma economia forte para funcionar”. “As pessoas vão votar pelo estômago nessa eleição”, disse.
O pastor também já se antecipou sobre a possibilidade de Geraldo Alckmin integrar a chapa de Lula como candidato a vice-presidente. O ex-governador de São Paulo, que deixou o PSDB, sinalizou que participará de um encontro com Paulo Marcelo após definir a filiação a um novo partido, provavelmente o PSB.
Sergio Moro (Podemos)
O ex juiz Sergio Moro nesta quarta-feira, 10 de novembro durante cerimônia de filiação no Podemos — Foto: AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Uziel Santana, ex-presidente da Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), está à frente dos esforços da pré-campanha do ex-ministro Sergio Moro (Podemos) de aproximação com evangélicos.
Desde dezembro, Santana tem feito a ponte entre Moro e lideranças do meio cristão. No entanto, segundo ele, não há na equipe do ex-juiz o desejo de tratar os religiosos como “gado”.
“Moro foi pioneiro entre os pré-candidatos a perceber que esta eleição precisaria de um enfoque maior no grupo evangélico. Nós não queremos colocá-los em um curral. Queremos a participação desse grupo na construção do nosso governo”, disse.
Uma das primeiras ações de Santana foi o lançamento da “Carta de princípios para os cristãos”. Non texto, Moro faz um aceno aos evangélicos e defende a “autonomia da instituição familiar“, o respeito às “preferências afetivas e sexuais de cada indivíduo” e a “não ampliação da legislação em relação ao aborto”.
Segundo Santana, Moro deve se concentrar na aproximação do eleitorado evangélico jovem, que, na avaliação dele, está mais aberto a votar de forma diferente do líder da igreja.
“A gente vai combater as notícias falsas e promover ainda mais aproximação com os líderes. Vamos ressaltar que Moro nunca se posicionou na esfera pública sobre diversos temas, como o aborto, porque ele era juiz. Temos feito reuniões com líderes por todo o Brasil.
Temos feito trabalho em todos os estados. A gente quer conversar com os fiéis evangélicos, conhecer os evangélicos, o que pensam e ver o que se pode construir em um futuro governo”, acrescentou.